DOENÇAS
Perturbações Musculosqueléticas: :Perturbações Inflamatórias

Algumas perturbações são causadas pela inflamação das articulações ou do tecido conjuntivo que mantêm unidas as estruturas do corpo e lhe proporcionam a sustentação. O tecido conjuntivo forma grande parte dos músculos, ossos, cartilagens e tendões, e também se encontra noutras partes do corpo, como a pele e as membranas que rodeiam o coração e os pulmões.

Febre Reumática

A febre reumática é uma inflamação das articulações (artrite) e do coração (cardite) que se deve a uma infecção estreptocócica, habitualmente da garganta.

Embora a febre reumática possa aparecer depois de uma infecção estreptocócica, não é uma infecção propriamente dita. É, melhor dizendo, uma reacção inflamatória a uma infecção que afecta muitas partes do organismo, como as articulações, o coração e a pele. A nutrição deficiente e o empilhamento parecem incrementar o risco de febre reumática; da mesma maneira, também influem factores hereditários.

A título informativo, nos Estados Unidos, a febre reumática raramente se desenvolve antes dos 4 anos ou depois dos 18 e é menos frequente do que nos países em vias de desenvolvimento, provavelmente porque os antibióticos se administram de forma maciça para o tratamento de infecções estreptocócicas desde a infância. Contudo, ultimamente, a incidência da febre reumática aumentou por razões desconhecidas. Nesse mesmo país, a criança que tiver uma infecção estreptocócica ligeira (habitualmente inflamação de garganta) e não receber tratamento apresenta uma probabilidade de desenvolver febre reumática de 1 em 1000. As probabilidades aumentam de 3 em 100 se a infecção for mais grave.

Sintomas

Os sintomas da febre reumática variam muito, dependendo da parte do corpo afectada. Tipicamente, os sintomas começam várias semanas depois de resolvida a inflamação de garganta. Os sintomas principais da febre reumática são a dor articular (artrite), a febre, a dor de peito ou palpitações causadas pela inflamação do coração (cardite), as convulsões incontroláveis (coreia de Sydenham), a erupção (eritema marginado) e as pequenas protuberâncias (nódulos) na pele. Uma criança pode ter um ou vários sintomas, embora a erupção e os nódulos raramente constituam os únicos sintomas.

A dor articular e a febre são os sintomas mais frequentes no início. Uma ou várias articulações podem doer repentinamente e ser sensíveis à palpação. Poderão ruborizar-se, ficar quentes, inflamadas e conter líquido. Os tornozelos, os joelhos, os cotovelos e os pulsos habitualmente vêem-se afectados, assim como os ombros, as ancas e as pequenas articulações das mãos e dos pés. À medida que a dor de uma articulação melhora, começa a dor noutra, particularmente se a criança não descansar oportunamente nem ingerir anti-inflamatórios. Em certas ocasiões, as dores articulares são muito ligeiras. A febre aparece repentinamente com a dor articular e a temperatura pode subir ou descer. As dores articulares e a febre, muitas vezes, desaparecem no espaço de duas semanas e, frequentemente, não duram mais de um mês.

A inflamação do coração manifesta-se, muitas vezes, simultaneamente por meio de dor articular e febre. No princípio, a inflamação do coração não produz sintomas. O médico detecta-a quando, ao auscultar o coração com um fonendoscópio, descobre um sopro. O coração pode bater rapidamente. O saco que o rodeia pode inflamar-se, causando dor de peito. Pode derivar em insuficiência cardíaca. Esses sintomas, nas crianças, são diferentes dos que se manifestam nos adultos. Uma criança pode sofrer de falta de ar, náuseas, vómitos, dor de estômago e tosse seca. A inflamação cardíaca pode cansar a criança facilmente. Contudo, os sintomas são em geral tão ligeiros que a criança não recorre ao médico, e a lesão cardíaca pode ser detectada apenas muito tempo depois do desaparecimento dos outros sintomas da febre reumática.

A inflamação desaparece gradualmente, em geral, aos 5 meses. Contudo, pode lesar permanentemente as válvulas do coração, provocando uma doença reumática cardíaca. A válvula que habitualmente é lesada encontra-se entre a aurícula e o ventrículo esquerdo (válvula mitral). Ela pode perder líquido (regurgitação da válvula mitral), tornar-se anormalmente estreita (estenose da válvula mitral) ou apresentar ambas as perturbações.

A lesão da válvula causa o característico sopro cardíaco que permite ao médico diagnosticar a febre reumática. Tempo depois, habitualmente durante a maturidade, a lesão pode causar mau funcionamento cardíaco, fibrilação arterial e arritmias.

As convulsões incontroláveis (Coreia de Sydenham) podem começar gradualmente, podendo decorrer um mês antes que se intensifiquem suficientemente para que a criança seja levada à consulta do médico. Nesse momento, a criança sofre movimentos rápidos, sem qualquer razão, esporádicos, que desaparecem quando adormece. Esses movimentos podem afectar qualquer músculo, salvo os dos olhos. Os esgares faciais são frequentes. Em casos leves, a criança pode parecer desajeitada e ter ligeiras dificuldades para se vestir e para comer. Em casos extremos, poderá necessitar de protecção para não se magoar a si mesma com os movimentos involuntários das pernas e dos braços. Em certas ocasiões, a coreia desaparece de forma gradual depois de 4 meses, mas pode durar entre 6 e 8 meses.

Um exantema liso indolor com um bordo ondulado pode aparecer à medida que os outros sintomas diminuem. A sua duração é curta, por vezes de menos de um dia. Podem formar-se nódulos pequenos e duros na pele, habitualmente em crianças com inflamação cardíaca. Estes são, em geral, indolores e desaparecem sem qualquer tratamento.

Em certas ocasiões, uma criança apresenta perda do apetite e intensa dor abdominal, que se confunde com um quadro de apendicite aguda.

Diagnóstico

O diagnóstico da febre reumática baseia-se principalmente numa combinação característica de sintomas. As análises de sangue podem detectar glóbulos brancos elevados e valores altos de sedimentação de eritrócitos. A maioria das crianças com febre reumática tem anticorpos contra os estreptococos, que se podem medir com as análises de sangue. As arritmias devidas à inflamação cardíaca podem ser observadas num electrocardiograma (gravação da actividade eléctrica do coração). A ecocardiografia (registo gráfico das estruturas do coração, efectuado por meio de ondas de ultra-sons) pode ser utilizada para diagnosticar anomalias nas válvulas do coração.

Prevenção e Tratamento

A melhor maneira de prevenir a febre reumática consiste na boa nutrição e no tratamento oportuno com antibióticos de qualquer suspeita de infecção estreptocócica.

O tratamento da febre reumática apresenta três objectivos: curar a infecção estreptocócica e evitar a sua recorrência, reduzir a inflamação, particularmente nas articulações e no coração, e restringir a actividade física, que poderia piorar as estruturas inflamadas.

Caso seja diagnosticada uma infecção estreptocócica como a faringite estreptocócica, administra--se penicilina por via oral durante 10 dias. Uma criança que tem febre reumática recebe uma injecção de penicilina para eliminar qualquer infecção residual. A aspirina ou outros anti-inflamatórios não esteróides (AINES) são indicados em doses altas para reduzir a inflamação e a dor, particularmente se a inflamação afectou as articulações. Em algumas ocasiões, são necessários analgésicos mais fortes, como a codeína. Se a inflamação cardíaca é grave, podem indicar-se corticosteróides como a prednisona para reduzir ainda mais a inflamação.

É importante o repouso na cama. A actividade da criança deve restringir-se para evitar a tensão das articulações inflamadas. Quando existe inflamação cardíaca, exige-se mais repouso.

Se as válvulas do coração forem lesadas, corre-se o risco de desenvolver uma infecção valvular (endocardite) durante toda a vida. Até pelo menos aos 18 anos de idade, as crianças que tiveram febre reumática devem tomar penicilina por via oral ou injecções mensais por via intramuscular para facilitar a prevenção da infecção. Quem sofre de lesão cardíaca deve tomar sempre um antibiótico antes de se submeter a uma intervenção cirúrgica, cirurgia dentária incluída, inclusive os adultos.

Artrite Reumatóide Juvenil

A artrite reumatóide juvenil é uma inflamação persistente das articulações (artrite) semelhante à artrite reumatóide do adulto, mas manifesta-se antes dos 16 anos de idade.

A causa é desconhecida. Os factores hereditários podem aumentar o risco de a desenvolver.

Sintomas

Esta perturbação afecta apenas algumas articulações em aproximadamente 40 % das crianças que dela sofrem, várias articulações noutros 40 % e, nos 20 % restantes, é sistémica, quer dizer, afecta todo o organismo, não apenas as articulações, e produz-se juntamente com febre (processo chamado doença de Still).

A inflamação de algumas articulações aparece tipicamente antes dos 4 anos (habitualmente nas raparigas) ou depois dos 8 anos (nos rapazes). O doente sofre de dor, inflamação e rigidez, principalmente num joelho, num tornozelo ou num cotovelo. Em certas ocasiões, uma ou duas articulações diferentes, como um único dedo do pé ou da mão, um pulso ou a mandíbula, sofrem de rigidez e inflamação. Os sintomas das articulações podem persistir ou aparecer e desaparecer.

As raparigas são especialmente propensas a sofrer de inflamação da íris (iridociclite crónica), que em geral é assintomática e apenas é detectada com um exame ocular. A inflamação da íris pode causar cegueira; por conseguinte, a criança deve ser controlada e receber tratamento imediato para esta doença.

A inflamação de várias articulações pode produzir-se numa criança de qualquer idade, embora afecte mais as raparigas. A dor articular, a inflamação e a rigidez podem começar de maneira gradual ou repentina. As articulações que habitualmente se vêem afectadas em primeiro lugar são os joelhos, os tornozelos, os pulsos e os cotovelos, e depois ambas as mãos, o pescoço, a mandíbula e as ancas. A inflamação é habitualmente simétrica, afectando a mesma articulação em ambos os lados do corpo (por exemplo, ambos os joelhos ou ambas as ancas).

A artrite reumatóide juvenil sistémica afecta os rapazes e as raparigas por igual. A febre é intermitente, habitualmente sobe pela tarde (a 39,5ºC ou mais), depois regressa rapidamente aos valores normais. Enquanto a febre dura, a criança pode sentir-se muito doente. Um exantema rosa-pálido ou de cor de salmão, principalmente no tronco e na parte superior das pernas ou dos braços, aparece durante pouco tempo (em geral à tarde), desaparece e depois aparece outra vez. O baço e alguns gânglios podem aumentar de tamanho. A dor articular, a inflamação e a rigidez podem ser os últimos sintomas a produzir-se.

Qualquer tipo de artrite reumatóide juvenil pode interferir no crescimento. Quando o faz no crescimento mandibular, pode originar o retrocesso do queixo (micrognácia).

O factor reumatóide, anticorpo que habitualmente se encontra no sangue do adulto com artrite reumatóide, não é frequente nas crianças que sofrem de artrite reumatóide juvenil. É mais frequente que o factor reumatóide se produza nas raparigas que apresentam várias articulações afectadas.

Prognóstico e Tratamento

Os sintomas de artrite reumatóide juvenil desaparecem completamente até cerca de 75 % das crianças. O pior prognóstico é apresentado pelas que têm muitas articulações afectadas, além do factor reumatóide.

Altas doses de aspirina habitualmente podem aliviar a dor e a inflamação articular. Outros anti-inflamatórios não esteróides, como naproxeno e tolmetim, são usados em geral no lugar da aspirina porque esta aumenta o risco da síndroma de Reye. A criança pode receber corticosteróides por via oral se a doença for grave e afectar o corpo todo, mas estes medicamentos podem atrasar o índice de crescimento e, se for possível, devem ser evitados. Os corticosteróides também podem injectar-se directamente nas articulações afectadas para aliviar a inflamação. Se a criança não responde à aspirina ou a outro anti-inflamatório, podem aplicar-se-lhe injecções de compostos de ouro. A penicilamina, o metotrexato e as hidroxicloroquimas utilizam-se quando os compostos de ouro não são eficazes ou causam efeitos secundários.

O exercício previne a rigidez articular. As talas flexíveis podem evitar que uma articulação fique bloqueada numa posição desajeitada.

A vista é examinada cada 6 meses, a fim de controlar a existência de inflamação da íris. Se esta existir, trata-se com gotas oculares de corticosteróides ou unguentos e medicamentos que dilatam a pupila. Em certas ocasiões, exige-se cirurgia ocular.