DOENÇAS
Perturbações na Nutrição: Inanição e Desnutrição Calórico-Proteica

Inanição

A inanição pode resultar de um jejum, uma carência de alimentos, anorexia nervosa, doença gastrointestinal grave, um acidente vascular cerebral ou um estado de coma. O corpo resiste à inanição desfazendo os seus próprios tecidos e usando-os como fonte de calorias, um pouco como queimar os móveis para manter a casa quente. Como resultado, os órgãos internos e os músculos são progressivamente lesados e a gordura corporal (tecido adiposo) praticamente desaparece.

Os adultos podem perder mais de metade do peso do seu corpo e as crianças ainda mais. A perda de peso proporcional é maior no fígado e nos intestinos, moderado no coração e nos rins e menor no sistema nervoso.

Os sinais mais óbvios de emagrecimento extremo são o desgaste das áreas onde o corpo de forma normal armazena gordura, a redução do volume muscular e a constatação de ossos protuberantes. A pele torna-se delgada, seca, pouco elástica, pálida e fria. O cabelo fica ressequido, empobrece e cai com facilidade. A maioria dos sistemas do organismo vêem-se afetados. A inanição total é mortal em 8 a 12 semanas.

Tratamento

Restabelecer a ingestão de alimentos nas quantidades normais requer um lapso considerável, que depende do tempo que o organismo esteve privado de alimentos e de quão gravemente foi afetado. O aparelho digestivo atrofia-se durante a inanição e não pode adequar-se imediatamente a uma dieta normal. Os líquidos (sumos, leite, caldo e sopas leves) são recomendados para aqueles que podem ingerir alimentos pela boca. Depois de alguns dias de ingestão líquida, pode-se começar com uma dieta sólida e aumentar gradualmente até 5000 calorias ou mais por dia.

Em geral, recomendam-se alimentos moles, dados em pequenas doses a intervalos frequentes, para evitar a diarreia. Uma pessoa deve recuperar entre 1,5 kg e 2 kg por semana até atingir um peso normal. Algumas pessoas precisam no princípio de ser alimentadas através de uma sonda nasogástrica. A alimentação endovenosa pode ser necessária se persistirem a má absorção e a diarreia.

Desnutrição Calórico-Proteica

Entre a inanição e a nutrição adequada há vários estados de nutrição inadequada, como a desnutrição calórico-proteica, que é a primeira causa de morte infantil nos países em desenvolvimento. Esta afecção é causada por um consumo inadequado de calorias, que produz uma deficiência de proteínas e micronutrientes (nutrientes requeridos em pequenas quantidades, como vitaminas e oligoelementos). Um rápido crescimento, uma infecção, uma ferida ou uma doença crônica debilitante podem aumentar a necessidade de nutrientes, particularmente nos lactentes e crianças pequenas que já estavam desnutridos.

Sintomas

Há três tipos de desnutrição calórico-proteica: seca (a pessoa está magra e desidratada), úmida (o indivíduo incha devido à retenção de líquidos) e um tipo intermédio.

O tipo seco, denominado marasmo, provém de uma inanição quase total. Uma criança que tem marasmo consome muito pouco alimento, muitas vezes porque a mãe é incapaz de a amamentar, e está muito magra devido à perda de músculo e de gordura corporal. Quase invariavelmente desenvolve-se uma infecção. Se a criança sofre de algum traumatismo ou ferida ou se a infecção se propagar, o prognóstico é pior e a sua vida corre perigo.

O tipo úmido é chamado kwashiorkor, uma palavra africana que significa «primeira criança-segunda criança». Esta expressão tem a sua origem na observação do desenvolvimento desta doença na primeira criança quando nasce a segunda e substitui a primeira no peito da mãe. A criança desmamada é alimentada primeiro com uma sopa de aveia, de baixa qualidade nutricional em comparação com o leite materno, e a criança não se desenvolve bem. A deficiência proteica no kwashiorkor é geralmente mais significativa do que a calórica (energia), o que conduz a retenção de líquidos (edema), doenças da pele e mudança da cor do cabelo. Dado que as crianças desenvolvem o kwashiorkor depois de serem desmamadas, são geralmente maiores do que as que apresentam marasmo.

O tipo intermédio de desnutrição calórico-proteica denomina-se kwashiorkor marasmático. As crianças com este tipo de afecção retêm alguns líquidos e têm mais gordura corporal do que as que apresentam marasmo.

O kwashiorkor é menos frequente do que o marasmo e, na maior parte dos casos, apresenta-se como kwashiorkor marasmático. Este tende a surgir em determinadas partes do mundo (África rural, Caraíbas, ilhas do Pacífico e o Sudeste asiático), onde os produtos do país e os alimentos usados quando se desmamam os lactentes, como inhame, mandioca, arroz, batata-doce e bananas verdes, são pobres em proteínas e excessivamente ricos em amido.

Tanto no marasmo como na inanição o organismo desfaz os seus próprios tecidos para usar as suas calorias. Esvaziam-se os depósitos de hidratos de carbono do fígado; as proteínas dos músculos são utilizadas para sintetizar novas proteínas e a gordura é armazenada para produzir calorias. Como resultado, todo o corpo se atrofia.

No kwashiorkor, o organismo é menos capaz de sintetizar novas proteínas. Por conseguinte, os valores de proteínas no sangue diminuem, causando acumulação de líquidos nos braços e nas pernas (edemas). Os valores de colesterol também diminuem e o fígado torna-se gordo e aumenta de tamanho (por excessiva acumulação de gordura na suas células). A carência de proteínas dificulta o desenvolvimento do organismo, a imunidade, a capacidade de reparar os tecidos lesados e a produção de enzimas e hormonas. No marasmo e no kwashiorkor a diarreia é frequente. O desenvolvimento psicomotor pode ser acentuadamente lento nas crianças gravemente desnutridas e pode aparecer atraso mental. Em geral, uma criança pequena que tem marasmo está mais gravemente afetada do que uma criança maior que tem kwashiorkor.

Tratamento

Uma criança com desnutrição calórico-proteica é em geral alimentada por via endovenosa durante as primeiras 24 a 48 horas de hospitalização. Devido a estas crianças terem invariavelmente graves infecções, em geral acrescenta-se um antibiótico aos líquidos administrados. Mal o possa tolerar, dá-se-lhe por via oral um composto cujo constituinte básico é o leite. A quantidade de calorias é aumentada de forma gradual, de tal maneira que uma criança cujo peso é de 6 kg a 8 kg quando é internada no hospital aumenta à volta de 3 kg em doze semanas.

Prognóstico

Mais de 40 % das crianças que sofrem desnutrição calórico-proteica morrem. A morte durante os primeiros dias do tratamento deve-se em geral a um desequilíbrio de electrólitos, uma infecção, uma descida anormal de temperatura corporal (hipotermia) ou uma insuficiência cardíaca. Os sinais mais alarmantes são estupor (semi-inconsciência), icterícia, pequenas hemorragias na pele, baixa quantidade de sódio no sangue e diarreia persistente. O desaparecimento da apatia, dos edemas e da falta de apetite são sinais favoráveis. A recuperação é mais rápida no kwashiorkor do que no marasmo.

Os efeitos a longo prazo da desnutrição na infância são ainda desconhecidos. Quando as crianças são tratadas adequadamente, o fígado e o sistema imunitário recuperam completamente. Contudo, em algumas crianças a absorção de nutrientes no intestino permanece alterada.

O grau de deterioração mental está em relação com a duração da desnutrição, sua gravidade e idade de começo. Um leve atraso mental pode persistir durante a idade escolar e ainda mais tarde.