Tratamento do Câncer
O tratamento eficaz do câncer deve dirigir-se não apenas ao tumor principal, mas também aos tumores que possam aparecer, por propagação, em outras partes do organismo (metástases). Por conseguinte, a cirurgia ou a radioterapia que se aplicam em áreas específicas do corpo muitas vezes combinam-se com a quimioterapia, que atinge todo o organismo. Mesmo quando a cura não é possível, os sintomas costumam aliviar-se com terapias paliativas, melhorando a qualidade de vida e a sobrevivência.
Resposta ao Tratamento
As pessoas tratadas de câncer devem ser seguidas para observar como respondem à terapia. O tratamento mais eficaz é o que produz a cura. A cura define-se como uma remissão completa na qual desaparece toda a evidência do câncer (resposta completa). Os investigadores por vezes consideram a cura em termos de percentagens de sobrevivência livre de doença num período de 5 ou 10 anos; entende-se que neste período de tempo o câncer desaparece completamente e não recidiva. Numa resposta parcial, o tamanho de um ou mais tumores reduz-se a menos de metade; esta resposta pode atenuar os sintomas e prolongar a vida, embora o câncer volte a crescer. O tratamento menos eficaz é aquele em que não se verifica qualquer tipo de resposta.
Por vezes um câncer desaparece completamente, mas reaparece mais tarde; o intervalo entre estes dois acontecimentos denomina-se tempo de sobrevivência livre de doença. O intervalo entre a resposta completa e o momento do falecimento considera-se o tempo total de sobrevivência. Nas pessoas que têm uma resposta parcial, a duração desta mede-se desde o momento em que a resposta se apresenta até ao momento em que o câncer começa a crescer ou a espalhar-se outra vez.
Alguns câncers têm uma boa resposta à quimioterapia. Outros melhoram, mas não se curam. Alguns cânceres (melanoma, câncer das células renais, câncer pancreático ou do cérebro) respondem muito pouco à quimioterapia e diz-se que são resistentes. Outros (câncer da mama, câncer de células pequenas do pulmão, leucemia) podem ter uma excelente resposta inicial à quimioterapia, mas depois de repetidos tratamentos podem desenvolver resistência aos medicamentos. Já que existem genes resistentes a vários medicamentos tanto nas células normais como nas cancerosas, a exposição a um só medicamento pode fazer com que o tumor se torne mais resistente a outros medicamentos sem qualquer relação entre si. Supõe-se que estes genes existem para fornecer às células os meios necessários para evitar a sua destruição por uma substância nociva. Como resultado, a célula pode expulsar o medicamento em defesa própria, fazendo com que a terapia seja eficaz. Os investigadores estão a tentar determinar como se pode suprimir a actividade destes genes.
As leucemias agudas, linfoblástica e mieloblástica, são dois câncers potencialmente curáveis. A doença de Hodgkin e muitos outros linfomas (linfoma difuso de células grandes, linfoma de Burkitt e linfoma linfoblástico) curam-se em aproximadamente 80 % de crianças e adultos. A quimioterapia cura mais de 90 % dos homens que têm câncer testicular avançado e cerca de 98 % das mulheres com coriocarcinoma (um câncer do útero).
Cirurgia
A cirurgia é uma das formas mais antigas de terapia de câncer. O tratamento e as perspectivas (prognóstico) são determinados principalmente pelo estudo da gravidade do câncer e sua extensão a outros órgãos através de um processo denominado estadiamento. É de vital importância consultar o médico tão depressa quanto possível, já que alguns câncers podem ser curados apenas com cirurgia quando são tratados nos seus estádios iniciais.
Radioterapia
A radiação destrói sobretudo as células que se dividem rapidamente. Em geral, isto significa que se trata de um câncer, mas a radiação também pode lesar os tecidos normais, especialmente aqueles em que as células se reproduzem normalmente de forma rápida, como a pele, os folículos capilares, a parede interna dos intestinos, os ovários, os testículos e a medula óssea. Definir com a máxima precisão o foco de irradiação é o que mais protege as células normais.
As células que têm uma oxigenação adequada são mais susceptíveis aos efeitos da radiação. Às células próximas do centro de um tumor muito grande, por vezes, chega pouco sangue e, portanto, pouca quantidade de oxigénio. À medida que o tumor se torna mais pequeno, as células sobreviventes parecem obter maior fornecimento de sangue, o que as torna mais vulneráveis à dose seguinte de radiação. Assim, distribuindo a radiação em doses repetidas durante um período prolongado, aumenta o efeito letal sobre as células do tumor e diminui o efeito tóxico sobre as células normais. O plano de tratamento aponta para a máxima reparação das células e tecidos normais, já que as células têm a capacidade de recuperar por si mesmas depois de terem sido expostas à radiação.
A radioterapia é levada a cabo habitualmente com um equipamento chamado acelerador linear. Os raios aplicam-se muito próximo do tumor e o grau em que os raios afectarão adversamente os tecidos normais depende do tamanho da área irradiada e da sua proximidade desses tecidos. Por exemplo, a irradiação nos tumores da cabeça ou do pescoço origina muitas vezes inflamação das membranas mucosas no nariz e na boca, causando dor e ulcerações, enquanto no estômago ou no abdómen costuma produzir inflamação do estômago (gastrite) e do intestino grosso (enterite), provocando diarreia.
A radioterapia desempenha um papel central na cura de muitos câncers, como a doença de Hodgkin, o linfoma não hodgkiniano em estádios iniciais, o câncer de células escamosas da cabeça e do pescoço, o seminoma (um câncer testicular), o câncer da próstata, o câncer da mama num estádio inicial, o câncer do pulmão de células não pequenas no estádio inicial e o meduloblastoma (um tumor do cérebro ou da medula espinhal). Para os câncers primitivos da laringe e próstata, a percentagem de cura é praticamente a mesma com radioterapia e com cirurgia.
A radioterapia pode reduzir os sintomas quando um câncer não tem possibilidade de cura, como no mieloma múltiplo e nos câncers avançados da cabeça e do pescoço, do pulmão, do esófago e do estômago. Também pode aliviar os sintomas causados pelas metástases nos ossos ou no cérebro.
Quimioterapia
O medicamento anticanceroso ideal é aquele que pudesse destruir apenas as células cancerosas sem lesar as normais, mas este fármaco não existe. Apesar da estreita margem entre o benefício e o dano, muitas pessoas com câncer podem tratar-se com medicamentos anticancerosos (quimioterapia) e algumas podem curar-se. Actualmente, podem minimizar-se os efeitos secundários da quimioterapia.
Os medicamentos anticancerosos estão agrupados em várias categorias: agentes alquilantes, antimetabolitos, alcalóides derivados de plantas, antibióticos antineoplásicos, enzimas, hormonas e moduladores da resposta biológica. Muitas vezes, dois ou mais medicamentos são usados em associação. O motivo principal da quimioterapia combinada é utilizar medicamentos que actuem sobre diferentes partes do processo metabólico das células, aumentando assim a probabilidade de morrerem muito mais células cancerosas. Além disso, os efeitos secundários tóxicos da quimioterapia podem reduzir-se quando se combinam medicamentos com diferentes toxicidades, cada um numa dose mais baixa do que seria necessário se fossem usados sozinhos. Por fim, por vezes combinam-se medicamentos com propriedades diferentes. Por exemplo, os medicamentos que matam as células tumorais podem ser combinados com os que estimulam o sistema imunológico do organismo para lutar contra o câncer (moduladores da resposta biológica).
As mostardas nitrogenadas, empregues como arma na Primeira Guerra Mundial, são um exemplo de um agente alquilante. Os agentes alquilantes interferem com a molécula de ADN, alterando a sua estrutura ou função, de tal maneira que esta não se pode dividir, o que evita que a célula se multiplique. A diferença entre uma dose benéfica e uma que seja nociva, contudo, é pequena. Os efeitos secundários consistem em náuseas, vómitos, perda de cabelo, irritação da bexiga (cistite), com aparecimento de sangue na urina, baixo número de glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas, diminuição da quantidade de esperma nos homens (e possível esterilidade permanente) e um aumento do risco de leucemia.
Os antimetabolitos são um amplo grupo de medicamentos que interferem nas fases da síntese do ADN ou do ARN, inibindo a divisão celular. Além de provocarem os mesmos efeitos secundários que os agentes alquilantes, certos antimetabolitos causam urticária, escurecimento da pele (aumentam a pigmentação) ou insuficiência renal.
Os alcalóides derivados das plantas são medicamentos que podem impedir a divisão da célula, evitando a formação de novas células. Os efeitos secundários são semelhantes aos produzidos pelos agentes alquilantes.
Os antibióticos antineoplásicos causam prejuízo ao ADN, inibindo a duplicação das células. Os seus efeitos secundários são semelhantes aos produzidos pelos agentes alquilantes.
Pode-se administrar asparaginase a uma pessoa com leucemia linfoblástica aguda, que é um enzima que elimina do sangue o aminoácido asparagina, de que a leucemia precisa para continuar o seu desenvolvimento. Os efeitos secundários incluem reacções alérgicas que podem ser mortais, perda do apetite, náuseas, vômitos, febre e aumento dos valores do açúcar no sangue.
A hormonoterapia aumenta ou diminui a quantidade de certas hormonas, limitando assim o crescimento dos câncers que dependem destas hormonas ou que são inibidos por elas. Por exemplo, alguns câncers da mama precisam de estrogênos para crescer. O tamoxifeno, medicamento antiestrogênio, bloqueia os efeitos dos estrogênios e pode reduzir o câncer. Do mesmo modo, o câncer da próstata pode ser inibido com medicamentos como os estrogênios ou antiestrogênios. Os efeitos secundários variam segundo o tipo de hormona que seja tomada. Assim, por exemplo, fornecer estrogénios a um homem pode provocar efeitos feminizantes, como o aumento do tamanho das mamas, e dar medicamentos antiestrogénicos a uma mulher pode causar-lhe sufocação e períodos menstruais irregulares.
O interferão, primeiro modulador efectivo da resposta biológica, utiliza-se agora frequentemente para tratar o sarcoma de Kaposi e o mieloma múltiplo. Outro tipo de imunoterapia é a utilização de células imunoestimuladas (células assassinas activadas pela linfoquina) para atacar especificamente tumores como o melanoma e o câncer de células renais. Um tratamento que emprega anticorpos contra as células tumorais, marcadas com um material radioactivo ou com uma toxina, demonstrou ser eficaz no tratamento de alguns linfomas.
Terapia Combinada
Para alguns câncers, a melhor terapia é uma combinação de cirurgia, radiação e quimioterapia. A cirurgia ou a radioterapia tratam o câncer que se encontra confinado localmente, enquanto a quimioterapia elimina as células cancerosas que escaparam para fora dessa região. Por vezes a radiação ou a quimioterapia administram-se antes da cirurgia para diminuir o tamanho do tumor, ou depois da mesma para destruir qualquer célula cancerosa que tenha sobrado. A quimioterapia combinada com a cirurgia aumenta o período de sobrevivência para aquelas pessoas com um câncer do cólon, da mama ou da bexiga que se propagou aos gânglios linfáticos vizinhos. A cirurgia e a quimioterapia podem, em certas ocasiões, curar o câncer do ovário já avançado.
O câncer do reto tem sido tratado, com êxito, com quimioterapia e radioterapia. No câncer do cólon avançado, a quimioterapia administrada depois da cirurgia pode prolongar o período de sobrevivência livre de doença. Entre 20 % e 40 % dos cânceres da cabeça e do pescoço curam-se com quimioterapia seguida de radioterapia ou cirurgia. Naqueles que não se curam, estes tratamentos costumam aliviar os sintomas (terapia paliativa).
A cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia desempenham cada uma um papel fundamental no tratamento do tumor de Wilms e dos rabdomiossarcomas embrionários. No tumor de Wilms, um câncer do rim na infância, a finalidade da cirurgia é extirpar o câncer primário, embora as células do tumor se tenham espalhado por outros lugares do corpo longe do rim. A quimioterapia começa ao mesmo tempo que a cirurgia e a radioterapia aplica-se mais tarde para tratar áreas localizadas onde permaneçam restos do tumor.
Infelizmente, alguns tumores (como os do estômago, do pâncreas ou do rim) só respondem parcialmente à radioterapia, à quimioterapia ou à combinação de ambas. Não obstante, estas terapias podem aliviar a dor da pressão e os sintomas resultantes de quando o tumor se infiltre nos tecidos circundantes. Alguns tumores resistentes (por exemplo, o câncer do pulmão de células não pequenas, o câncer esofágico, pancreático ou renal) podem ser tratados para aumentar o período de sobrevivência. O progresso na terapia do câncer deu-se graças às melhores combinações de medicamentos, à modificação das doses e à melhor coordenação com a radioterapia.
Efeitos Secundários do Tratamento
Quase todos os doentes que recebem quimioterapia ou radioterapia experimentam certos efeitos secundários, sobretudo náuseas ou vômitos e diminuição dos glóbulos do sangue. As pessoas tratadas com quimioterapia quase sempre perdem o cabelo. Diminuir os efeitos secundários é um aspecto importante da terapia.
Náuseas e Vômitos
As náuseas e os vómitos geralmente previnem-se ou aliviam-se com medicamentos (antieméticos). As náuseas podem reduzir-se sem utilizar medicamentos, comendo frequentemente pequenas quantidades de alimentos e evitando refeições que contenham uma elevada quantidade de fibras, que produzem meteorismo, ou que estejam muito quentes ou muito frias.
Contagem Baixa de Células do Sangue
A citopenia, uma deficiência de um ou mais tipos de células do sangue, pode desenvolver-se durante a terapia do câncer. Por exemplo, uma pessoa pode apresentar um número anormalmente baixo de glóbulos vermelhos (anemia), de glóbulos brancos (neutropenia ou leucopenia) ou de plaquetas (trombocitopenia). Em geral, a citopenia não precisa de ser tratada. Contudo, se a anemia for grave, pode fazer-se uma transfusão de concentrado de glóbulos vermelhos. Da mesma maneira, se a trombocitopenia for grave, pode realizar-se uma transfusão de plaquetas para diminuir o risco de hemorragias.
Um doente com neutropenia (um número anormalmente baixo de neutrófilos, um tipo de glóbulos brancos) é propenso a contrair uma infecção. Por esta razão, um doente com neutropenia e com uma temperatura superior a 37,5ºC deve ser tratado com urgência. Tem de ser examinado para detectar uma possível infecção, podendo requerer antibióticos e mesmo hospitalização. Raramente se efectua uma transfusão de glóbulos brancos, dado que só sobrevivem poucas horas e podem produzir muitos efeitos secundários. Em vez disso, podem administrar-se certas substâncias (como o factor estimulante de granulócitos) para estimular a produção dos glóbulos brancos.
Outros Efeitos Secundários Frequentes
A radioterapia ou a quimioterapia podem causar inflamação ou mesmo úlceras nas membranas mucosas, como a do revestimento da boca. As úlceras da boca são dolorosas e fazem com que se coma com dificuldade. Existem várias soluções de administração oral (que em geral contêm um antiácido, um anti-histamínico e um anestésico local) que podem reduzir essas queixas. Em raras ocasiões, administra-se um complemento nutricional através de um tubo de alimentação que se coloca directamente dentro do estômago ou no intestino delgado ou inclusive numa veia. Também existem diversos medicamentos para tratar a diarreia causada pela radioterapia do abdômen.
Novas Propostas e Tratamentos em Investigação
Uma nova proposta para tratar o câncer chama-se quimioterapia em doses intensas, na qual se usam especialmente altas doses de fármacos. Esta terapia usa-se para os tumores que reapareceram apesar de terem tido uma boa resposta quando foram tratados pela primeira vez com fármacos. Estes tumores já demonstraram que são sensíveis ao medicamento; a estratégia é aumentar acentuadamente esta dose para matar mais células cancerosas e desta maneira prolongar a sobrevivência.
Contudo, a quimioterapia com doses intensas pode causar lesões na medula óssea, ameaçando a vida do doente. Portanto, em geral combina-se com uma terapia de resgate, na qual, antes de aplicar a quimioterapia, se colhe um pouco de medula óssea do indivíduo. Depois do tratamento, volta-se a introduzir medula no doente. Por vezes, podem isolar-se as células de uma amostra de sangue e utilizá-las em vez da medula óssea. Estes tratamentos aplicaram-se no câncer da mama, em linfomas, na doença de Hodgkin e no mieloma.
Nas pessoas com leucemia aguda, depois da quimioterapia em doses intensas, pode realizar-se um verdadeiro transplante de medula óssea de um dador com tecido compatível (geralmente um irmão ou uma irmã). Uma das complicações que podem aparecer é a reacção enxerto versus hospedeiro (rejeição), na qual o tecido transplantado destrói os tecidos do hospedeiro.
Novas técnicas de radioterapia, como a utilização de feixes de protões ou de neutrões, podem ser úteis para tratar com êxito certos tumores. Os corantes activados por radiação e a terapia fotodinâmica também oferecem grandes esperanças.
A imunoterapia serve-se de técnicas como os moduladores de respostas biológicas, a terapia com células assassinas e a terapia humoral (anticorpos), para estimular o sistema imunitário do organismo contra o câncer. Estas técnicas foram aplicadas para tratar diversos câncers, como o melanoma, o câncer do rim, o sarcoma de Kaposi e a leucemia.
Finalmente, um dos mais importantes projectos terapêuticos é encontrar fármacos que ajudem a prevenir o câncer. Os retinóides (derivados da vitamina A) demonstraram ser eficazes reduzindo a percentagem de reincidência de alguns câncers, especialmente os da boca, da laringe e dos pulmões. Infelizmente, com outros agentes, como o betacaroteno e outros antioxidantes semelhantes, não se demonstrou a sua eficácia na prevenção do câncer.